sexta-feira, 15 de março de 2013

Discurso proferido pelo jornalista Robson do Val na Sessão Solene do dia 13 de março de 2013




Discurso em homenagem a Cachoeira durante a sessão especial em comemoração aos 176 anos de emancipação da cidade
Orador:  Robson do Val

Excelentíssimo senhor Presidente da Câmara Municipal de Cachoeira, vereador José Carlos Matos Silva.
Excelentíssimo Senhor Prefeito, Carlos Pereira.
Nobres vereadores desta egrégia casa.
Demais autoridades presentes.
Caros amigos.
Os senhores não tem ideia do quanto me sinto honrado, por estar hoje nesta casa. Minha ligação com Cachoeira é muito antiga. Talvez muitos aqui não saibam, mas há exatos 125 anos, falava daqui, desta mesma tribuna, o vereador, jornalista e abolicionista, Augusto Ferreira Motta. Um homem que lutou até o último dia de vida pelo progresso desta cidade, e pelos ideais de liberdade e justiça social do seu povo, e do qual, tenho o privilégio de ser um dos descendentes. Tive alguns outros familiares, dos quais os mais velhos aqui já devem ter ouvido falar, como o político Augusto Públio, as mestras Olga Mettig e Nola Araujo, e, mais recentemente, o historiador e arquiteto Francisco Senna, que também deram as suas contribuições para elevar o nome desta cidade.
Algumas cidades tem uma atmosfera especial. Uma aura que as torna singulares, incomparáveis... Cachoeira é, sem dúvida, uma dessas cidades que fogem à regra do lugar comum. Nascer aqui é um título de nobreza conferido pelo destino; uma distinção concedida pela Mãe Natureza a alguns dos seus filhos diletos. Quem não tem orgulho de encher o peito e dizer: EU SOU DE CACHOEIRA!?
Embora minha família materna tenha raízes cachoeiranas, eu nasci em Salvador. Mas confesso que, se pudesse escolher, teria escolhido nascer aqui. Confesso até que algumas vezes cheguei a mentir sobre a minha naturalidade, só pra ter, por alguns instantes, o gostinho especial de ser filho dessa cidade. Cidade que aprendi a amar e admirar como a nenhuma outra.
Falar sobre Cachoeira é uma responsabilidade enorme. Imaginem que nesse tempo todo de história, desde que foi fundada a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, centenas de oradores iluminados já descreveram os encantos dessa terra abençoada. Não sem motivo, muitos deles se apegaram, em seus respectivos discursos, aos episódios mais marcantes da história da cidade. Principalmente àqueles fatos relacionados ao protagonismo nas lutas pela independência do nosso país, que lhe valeram o título de “Heroica”. Pouquíssimos são os filhos desta terra que não conhecem os detalhes desse passado glorioso.
Hoje, no entanto, para homenageá-la no dia em que completa 176 anos de emancipada, é de outra Cachoeira que gostaria de falar: A CACHOEIRA DO PRESENTE. Talvez poucas cidades do nosso país tenham atravessado o tempo conservando tanto da sua identidade quanto Cachoeira. Vejam que coisa fascinante: quem anda hoje por essas ruas antigas, não vai encontrar uma paisagem muito diferente daquela que encontravam os cidadãos dos séculos XVIII e XIX.  Onde mais na Bahia se tem esse privilégio em tão grande escala? Isso, minha gente, representa um tesouro incalculável. Eu mesmo tenho o hábito de andar de madrugada por essas ruas, quando elas costumam estar desertas, e exalando toda a mística do seu casario antigo. Nesses momentos, não sei se por pura imaginação, ou por algum desses mistérios que a ciência ainda não explica, tenho quase sempre a impressão de ouvir, por alguns instantes, os ecos do passado.
Nossas cidades irmãs do Recôncavo, contemporâneas da Vila da Cachoeira, infelizmente não tiveram a mesma sorte. Elas sofreram com a degradação do patrimônio histórico. Nelas quase todos os casarões foram demolidos, ou tiveram as fachadas adulteradas pela instalação de pontos comerciais. Cachoeira, como que envolvida por uma aura de proteção mágica, que parece impregnar tudo por aqui, escapou desse prejuízo que seria irreparável. Nesta terra ainda há muito pra ser preservado//
Se lançarmos sobre este sitio um olhar mais profundo e mais sutil, vamos notar que não foi só o patrimônio histórico que se manteve firme ao longo dos séculos. Nós os cachoeiranos, me permitam a distinção de ser um conterrâneo, somos herdeiros de valores que não são encontrados facilmente em qualquer outro lugar. Reparem nesse jeito altivo da gente daqui. Uma gente que não costuma baixar a cabeça e se deixar humilhar. Que mesmo quando está em situação de extrema pobreza material, costuma manter intacta a sua dignidade. Se você puxa qualquer assunto com um cachoeirano, dificilmente ele vai aceitar a sua opinião por inteiro, sem antes contrapor o ponto de vista dele. Em qualquer cidade turística, é comum o visitante estacionar o carro na praça, e ser logo cercado por uma legião de pedintes. Aqui em Cachoeira, como se diz na linguagem popular, o povo, de uma maneira geral, não se dá a esse desfrute; não se presta a esse papel. Cada um tem consciência do próprio valor, por maior que seja a penúria.
De onde vem essa lição? Por que, mesmo tendo toda essa dignidade e esse amor próprio, nós não somos uma cidade rica, capaz de oferecer uma vida sem grandes sacrifícios para o nosso povo? São muitas as explicações nesse caso. A que costumamos ouvir com mais frequência, é aquela que nos dá conta de que, com o fim dos ciclos da cana e do fumo, com a chegada da era do petróleo e com a construção da BR – 101, que retirou de Cachoeira o status de porto estratégico, a economia decaiu e não apareceu nada para dar um novo impulso. É verdade! Tudo isso aconteceu e teve um impacto negativo na vida das pessoas daqui. Mas não esqueçamos, de que foi isso, também, que contribuiu pra que a cidade mantivesse as suas características originais. Longe do ímpeto desmedido do capitalismo, nossos valores mais preciosos foram preservados. É uma daquelas situações em que, o que parece um infortúnio, pode ser, na verdade, uma benção. Observem como esses golpes sucessivos do destino podem ter nos empurrado para a nossa verdadeira vocação. Numa época em que muitas cidades buscam salvar o pouco que restou do seu patrimônio histórico, nós temos quase a mesma estrutura que tínhamos há duzentos anos. Temos ainda o cenário deslumbrante do Paraguaçu, um rio navegável que pode ser uma rota de chegada para os nossos visitantes. Temos a ferrovia, que nos dá a possibilidade de reeditar as viagens de trem trazendo passageiros, como fazem as cidades históricas do interior de Minas, em experiências muito bem sucedidas. E, sobretudo, temos um povo inteligente e laborioso, com uma cultura viva, na música, nas práticas religiosas na culinária, e que já provou, em diversos momentos, que não foge à luta.
Mas de nada adianta ter um tesouro à disposição, se não transformarmos essa riqueza em benefícios para a coletividade. A vinda da Universidade foi um acontecimento importante para nossas pretensões, não podemos negar isso. O ambiente acadêmico abre portas e eleva o nível das discussões.
Resumindo: temos a nosso favor a arquitetura, a natureza, a riqueza cultural... O que é que está faltando então? Se me permitem uma opinião muito franca: o problema de Cachoeira é que falta ainda a união de todas as forças numa única direção, como aconteceu nas lutas antigas pela liberdade. Esse é um problema muito comum onde tudo é muito grandioso, inclusive a alma do povo. Os talentos individuais preferem disputar a somar. Essa disputa também começou lá atrás. Vamos citar, por exemplo, o aspecto religioso da nossa identidade, que aqui tem uma importância muito grande. Nosso universo foi constituído por brancos católicos, negros de várias etnias, que desenvolveram aqui os cultos de matriz africana: gêge, ketu, banto, e, mais recentemente, alguns cidadãos ingressaram nas igrejas evangélicas. Para que a nossa coletividade seja bem sucedida, já tarda o momento de aprendermos a trabalhar juntos, mesmo com essas diferenças. Nossas diferenças devem ser cultivadas da porta pra dentro. Da porta pra fora, quando tratamos do bem comum, temos que eleger objetivos do interesse de todos, e trabalhar para realizá-los. Não é preciso abrir mão de nossas preferências, basta entender que nada de significativo será conquistado, se não somarmos os nossos esforços.
Na política é a mesma coisa. Se o meu único objetivo é destruir a imagem do meu oponente, e nunca torço pra que ele acerte em alguma coisa, que tipo de contribuição eu estou dando? Quem está no comando, já deve ter percebido essa vocação da cidade. Essa personalidade forte de Cachoeira, que não pode ser tratada como um lugar comum, onde basta uma boa limpeza pública, salários do funcionalismo em dia, e todos os serviços públicos funcionando de maneira satisfatória. Essas são sim coisas que não devem faltar. Mas é preciso, também, perceber esse potencial antigo e ainda praticamente inexplorado para atividades alternativas. Isso sim poderá devolver à cidade, a coroa que o os golpes do destino e os maus tratos sucessivos quiseram arrancar.
É magnífico observar, que é justamente o legado do passado, que pode nos garantir a Cachoeira do futuro. É bom sim que nos sintamos orgulhosos por sermos herdeiros de um passado glorioso. Por saber que superamos tudo e resistimos às reviravoltas do tempo. Mas isso só não nos garante. Fiquemos atentos, queridos irmãos! Esse mesmo tempo que nos envolveu numa atmosfera encantada e nos preservou, pode um dia se virar contra nós e nos derrubar. Só a nossa união pode evitar isso. Esse, tenham certeza, seria o melhor presente que Cachoeira poderia receber.
E se um dia fomos capazes de marchar todos juntos, partindo dessa praça aqui em frente, pra libertar o povo de uma nação inteira da tirania estrangeira, é claro que somos capazes de, sem precisar sair do nosso território sagrado, libertar o nosso próprio povo das garras das próprias necessidades.
Feliz aniversário, Cachoeira!
Obrigado por ter o seu sangue correndo em minhas veias!

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