Discurso
em homenagem a Cachoeira durante a sessão especial em comemoração aos 176 anos
de emancipação da cidade
Orador: Robson do Val
Excelentíssimo
senhor Presidente da Câmara Municipal de Cachoeira, vereador José Carlos Matos
Silva.
Excelentíssimo
Senhor Prefeito, Carlos Pereira.
Nobres
vereadores desta egrégia casa.
Demais
autoridades presentes.
Caros amigos.
Os
senhores não tem ideia do quanto me sinto honrado, por estar hoje nesta casa.
Minha ligação com Cachoeira é muito antiga. Talvez muitos aqui não saibam, mas
há exatos 125 anos, falava daqui, desta mesma tribuna, o vereador, jornalista e
abolicionista, Augusto Ferreira Motta. Um homem que lutou até o último dia de
vida pelo progresso desta cidade, e pelos ideais de liberdade e justiça social
do seu povo, e do qual, tenho o privilégio de ser um dos descendentes. Tive
alguns outros familiares, dos quais os mais velhos aqui já devem ter ouvido
falar, como o político Augusto Públio, as mestras Olga Mettig e Nola Araujo, e,
mais recentemente, o historiador e arquiteto Francisco Senna, que também deram
as suas contribuições para elevar o nome desta cidade.
Algumas
cidades tem uma atmosfera especial. Uma aura que as torna singulares, incomparáveis...
Cachoeira é, sem dúvida, uma dessas cidades que fogem à regra do lugar comum. Nascer
aqui é um título de nobreza conferido pelo destino; uma distinção concedida
pela Mãe Natureza a alguns dos seus filhos diletos. Quem não tem orgulho de
encher o peito e dizer: EU SOU DE CACHOEIRA!?
Embora
minha família materna tenha raízes cachoeiranas, eu nasci em Salvador. Mas
confesso que, se pudesse escolher, teria escolhido nascer aqui. Confesso até
que algumas vezes cheguei a mentir sobre a minha naturalidade, só pra ter, por
alguns instantes, o gostinho especial de ser filho dessa cidade. Cidade que
aprendi a amar e admirar como a nenhuma outra.
Falar
sobre Cachoeira é uma responsabilidade enorme. Imaginem que nesse tempo todo de
história, desde que foi fundada a Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da
Cachoeira, centenas de oradores iluminados já descreveram os encantos dessa
terra abençoada. Não sem motivo, muitos deles se apegaram, em seus respectivos discursos,
aos episódios mais marcantes da história da cidade. Principalmente àqueles fatos
relacionados ao protagonismo nas lutas pela independência do nosso país, que
lhe valeram o título de “Heroica”. Pouquíssimos são os filhos desta terra que
não conhecem os detalhes desse passado glorioso.
Hoje,
no entanto, para homenageá-la no dia em que completa 176 anos de emancipada, é
de outra Cachoeira que gostaria de falar: A CACHOEIRA DO PRESENTE. Talvez
poucas cidades do nosso país tenham atravessado o tempo conservando tanto da
sua identidade quanto Cachoeira. Vejam que coisa fascinante: quem anda hoje por
essas ruas antigas, não vai encontrar uma paisagem muito diferente daquela que
encontravam os cidadãos dos séculos XVIII e XIX. Onde mais na Bahia se tem esse privilégio em
tão grande escala? Isso, minha gente, representa um tesouro incalculável. Eu mesmo
tenho o hábito de andar de madrugada por essas ruas, quando elas costumam estar
desertas, e exalando toda a mística do seu casario antigo. Nesses momentos, não
sei se por pura imaginação, ou por algum desses mistérios que a ciência ainda
não explica, tenho quase sempre a impressão de ouvir, por alguns instantes, os
ecos do passado.
Nossas
cidades irmãs do Recôncavo, contemporâneas da Vila da Cachoeira, infelizmente não
tiveram a mesma sorte. Elas sofreram com a degradação do patrimônio histórico. Nelas
quase todos os casarões foram demolidos, ou tiveram as fachadas adulteradas pela
instalação de pontos comerciais. Cachoeira, como que envolvida por uma aura de
proteção mágica, que parece impregnar tudo por aqui, escapou desse prejuízo que
seria irreparável. Nesta terra ainda há muito pra ser preservado//
Se
lançarmos sobre este sitio um olhar mais profundo e mais sutil, vamos notar que
não foi só o patrimônio histórico que se manteve firme ao longo dos séculos. Nós
os cachoeiranos, me permitam a distinção de ser um conterrâneo, somos herdeiros
de valores que não são encontrados facilmente em qualquer outro lugar. Reparem
nesse jeito altivo da gente daqui. Uma gente que não costuma baixar a cabeça e
se deixar humilhar. Que mesmo quando está em situação de extrema pobreza
material, costuma manter intacta a sua dignidade. Se você puxa qualquer assunto
com um cachoeirano, dificilmente ele vai aceitar a sua opinião por inteiro, sem
antes contrapor o ponto de vista dele. Em qualquer cidade turística, é comum o
visitante estacionar o carro na praça, e ser logo cercado por uma legião de
pedintes. Aqui em Cachoeira, como se diz na linguagem popular, o povo, de uma
maneira geral, não se dá a esse desfrute; não se presta a esse papel. Cada um tem
consciência do próprio valor, por maior que seja a penúria.
De
onde vem essa lição? Por que, mesmo tendo toda essa dignidade e esse amor
próprio, nós não somos uma cidade rica, capaz de oferecer uma vida sem grandes
sacrifícios para o nosso povo? São muitas as explicações nesse caso. A que costumamos
ouvir com mais frequência, é aquela que nos dá conta de que, com o fim dos
ciclos da cana e do fumo, com a chegada da era do petróleo e com a construção
da BR – 101, que retirou de Cachoeira o status de porto estratégico, a economia
decaiu e não apareceu nada para dar um novo impulso. É verdade! Tudo isso
aconteceu e teve um impacto negativo na vida das pessoas daqui. Mas não
esqueçamos, de que foi isso, também, que contribuiu pra que a cidade mantivesse
as suas características originais. Longe do ímpeto desmedido do capitalismo, nossos
valores mais preciosos foram preservados. É uma daquelas situações em que, o
que parece um infortúnio, pode ser, na verdade, uma benção. Observem como esses
golpes sucessivos do destino podem ter nos empurrado para a nossa verdadeira
vocação. Numa época em que muitas cidades buscam salvar o pouco que restou do
seu patrimônio histórico, nós temos quase a mesma estrutura que tínhamos há
duzentos anos. Temos ainda o cenário deslumbrante do Paraguaçu, um rio
navegável que pode ser uma rota de chegada para os nossos visitantes. Temos a
ferrovia, que nos dá a possibilidade de reeditar as viagens de trem trazendo
passageiros, como fazem as cidades históricas do interior de Minas, em experiências
muito bem sucedidas. E, sobretudo, temos um povo inteligente e laborioso, com
uma cultura viva, na música, nas práticas religiosas na culinária, e que já
provou, em diversos momentos, que não foge à luta.
Mas
de nada adianta ter um tesouro à disposição, se não transformarmos essa riqueza
em benefícios para a coletividade. A vinda da Universidade foi um acontecimento
importante para nossas pretensões, não podemos negar isso. O ambiente acadêmico
abre portas e eleva o nível das discussões.
Resumindo:
temos a nosso favor a arquitetura, a natureza, a riqueza cultural... O que é
que está faltando então? Se me permitem uma opinião muito franca: o problema de
Cachoeira é que falta ainda a união de todas as forças numa única direção, como
aconteceu nas lutas antigas pela liberdade. Esse é um problema muito comum onde
tudo é muito grandioso, inclusive a alma do povo. Os talentos individuais
preferem disputar a somar. Essa disputa também começou lá atrás. Vamos citar,
por exemplo, o aspecto religioso da nossa identidade, que aqui tem uma importância
muito grande. Nosso universo foi constituído por brancos católicos, negros de
várias etnias, que desenvolveram aqui os cultos de matriz africana: gêge, ketu,
banto, e, mais recentemente, alguns cidadãos ingressaram nas igrejas
evangélicas. Para que a nossa coletividade seja bem sucedida, já tarda o
momento de aprendermos a trabalhar juntos, mesmo com essas diferenças. Nossas
diferenças devem ser cultivadas da porta pra dentro. Da porta pra fora, quando
tratamos do bem comum, temos que eleger objetivos do interesse de todos, e
trabalhar para realizá-los. Não é preciso abrir mão de nossas preferências,
basta entender que nada de significativo será conquistado, se não somarmos os
nossos esforços.
Na
política é a mesma coisa. Se o meu único objetivo é destruir a imagem do meu
oponente, e nunca torço pra que ele acerte em alguma coisa, que tipo de
contribuição eu estou dando? Quem está no comando, já deve ter percebido essa
vocação da cidade. Essa personalidade forte de Cachoeira, que não pode ser
tratada como um lugar comum, onde basta uma boa limpeza pública, salários do
funcionalismo em dia, e todos os serviços públicos funcionando de maneira
satisfatória. Essas são sim coisas que não devem faltar. Mas é preciso, também,
perceber esse potencial antigo e ainda praticamente inexplorado para atividades
alternativas. Isso sim poderá devolver à cidade, a coroa que o os golpes do
destino e os maus tratos sucessivos quiseram arrancar.
É
magnífico observar, que é justamente o legado do passado, que pode nos garantir
a Cachoeira do futuro. É bom sim que nos sintamos orgulhosos por sermos herdeiros
de um passado glorioso. Por saber que superamos tudo e resistimos às
reviravoltas do tempo. Mas isso só não nos garante. Fiquemos atentos, queridos
irmãos! Esse mesmo tempo que nos envolveu numa atmosfera encantada e nos
preservou, pode um dia se virar contra nós e nos derrubar. Só a nossa união
pode evitar isso. Esse, tenham certeza, seria o melhor presente que Cachoeira
poderia receber.
E
se um dia fomos capazes de marchar todos juntos, partindo dessa praça aqui em
frente, pra libertar o povo de uma nação inteira da tirania estrangeira, é
claro que somos capazes de, sem precisar sair do nosso território sagrado,
libertar o nosso próprio povo das garras das próprias necessidades.
Feliz
aniversário, Cachoeira!
Obrigado
por ter o seu sangue correndo em minhas veias!
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